Por Pedro Colucci Ribeiro
Quando pensamos livremente e vulgarmente sobre crítica de arte hoje em dia, nós pensamos a figura do crítico como alguém que é arrogante, tem nariz empinado e que fala coisas que muitas vezes não tem sentido ou que tem um significado tão complexo que só ele e e seus semelhantes entendem. Nos esquecemos, porém, de que a crítica tem toda uma história de transformações e que ela não é em sua gênese, como ingenuamente acreditamos, algo que ninguém compreende e apenas voltada para uma minoria especializada. A crítica não é algo homogêneo e uníssono: dentro delas existem várias correntes e propostas metodológicas distintas, caracterizando-se, então, como um discurso plural. Estudando um pouco da sua história podemos entender mais o seu processo de formação, a sua função e os vários discursos nela contidos, além de desmistificar essa imagem errônea que uma grande parcela das pessoas tem sobre a crítica.
Quando se fala de crítica de arte como uma disciplina autônoma e especializada, tem que se ter em mente que a sua história só inicia-se no século XVIII, na época do Iluminismo, em um ambiente caracterizado pelos salões literários e artísticos, acompanhando as exposições periódicas, o surgimento de um público e o desenvolvimento da imprensa. Apesar de sua recente aparição, ao contrário da arte, que existe desde o período Paleolítico, desde a Antiguidade desenvolveu-se em torno da arte uma vasta literatura de caráter diversificado, não se podendo, entretanto, classificar estes textos como críticos, uma vez que os escritos de Platão e Aristóteles estão mais para uma reflexão filosófica sobre a arte do que uma elaboração crítica. A crítica é uma prática relativamente recente na história da cultura, se tratando de um fenômeno histórico com um começo e um fim e que é, portanto, temporal. Vê-se, então, que nem sempre a presença da crítica foi reclamada – a arte existiu muito tempo sem sua necessidade. A crítica não existe sem a arte, mas o contrário não se verifica.
Essa necessidade de haver a crítica especializada surge quando se coloca uma impossibilidade de a arte ser expressão de seu fundamento. A crítica nasce da crise da comunicação entre os artistas e o público, ou seja, entre os produtores e os fruidores dos valores artísticos, crise esta que se dá em uma época em que os filósofos, levados pelos seus ideais iluminista e antidogmáticos, estavam gerando revoluções no campo da Filosofia, tais como a descoberta da figura do sujeito, da sua relação com o objeto; se questionava todos os universais, os dogmas e, principalmente, o Absoluto. Essas mudanças ocorridas na Filosofia refletem fortemente na produção artística da época, já que os artistas se apropriam dessas discussões filosóficas e as fazem transparecer na sua produção estética. Isto faz com que a arte tenha um nível de complexidade filosófica tal que as capacidades espontâneas de compreensão existentes normalmente nos públicos não acompanhem esse desenvolvimento, precisando de alguém que intermedeie essa relação problemática público-obra. O crítico surge, então, como o encarregado dessa mediação, que é exercida através da percepção de um ou vários significados que são absorvidos por ele e transcriados para a linguagem verbal. Transcriado, o efeito plástico torna-se perceptível para aquele que não está acostumado com ele e o texto crítico funciona, por sua vez, como uma escola de ver, uma pedagogia da sensibilidade, tendo, então, o crítico o papel de ensinar a 'olhar e ver'. Ele preenche o vazio didático deixado pela escola tradicional, que nos ensina a ler e escrever, mas não a olhar e ver. Tenta tornar o olhar atencioso em algo da experiência cotidiana das pessoas e cidadãos comuns, e não só do de críticos especializados.
Lembra-se que a crítica de arte não existia na Antiguidade e Idade Média, pois nessa linguagem do passado se falava uma linguagem popular, e todos entendiam a mesma mensagem por ela veiculada (informadora, educativa, religiosa). Lá havia unidade e, portanto, não havia crise. Mas agora as novas estéticas que surgem com a exploração do tema da subjetividade, da ideia de indivíduo e de seu posicionamento no mundo, deixando o homem a si mesmo e sem um Deus acolhedor ao qual recorrer, já não se desdobram através do conforto de respostas pré-estabelecidas, não tendo a terra firme de uma resposta unívoca e absoluta. Assiste-se a falência dos universais e a uma crise da representação e de seus paradigmas, que é exacerbada ainda mais pela arte moderna e contemporânea. Com a despedida do absoluto e o advento da subjetividade, a arte mergulha cada vez mais no pensamento e vai se distanciando tanto da natureza quanto da contemplação. Todas essas mudanças criam um distanciamento cada vez maior entre a arte produzida e o seu público receptor. Nas palavras de Tom Wolfe: a arte vai se hermetizando e o público não é convidado.
Feita então esta breve passagem sobre a história da crítica e a compreensão de sua importância nos estudos históricos e teóricos de arte, e entendendo que a crítica tem esse papel duplo e simultâneo de intermediação entre obra e público e também de leitura, interpretação e contextualização das obras de arte, vale a pena relembrar que para tanto várias metodologias foram sendo criadas ao longo de sua história para melhor sistematizar e compreender o valor artístico de uma obra de arte. Cabe aqui destacar algumas correntes críticas e suas principais características, dentre elas o formalismo, o estruturalismo e a corrente socioideológica. O formalismo é aquela corrente que considera que a história da arte não é senão a história das formas, tendo algum de seus integrantes, como o teórico Conrad Friedler, que acreditam que “não existem premissas teóricas, experiências culturais, impulsos fantásticos ou sentimentais, conteúdos religiosos, históricos, morais ou narrativos que condicionem a obra do artista: a forma visual é plenamente reveladora do seu “próprio” conteúdo ou significado, que afinal não é senão a sua própria ordem ou equilíbrio, a sua própria estrutura. Para Hadjinicolaou, a análise formalista é uma negação da História, já que não leva em conta o seu contexto histórico e influências externas à produção da obra. Pesquisadores como Fritz Saxl também nos lembram que a pura análise das formas não leva em conta que existe uma mudança de significado das formas de acordo com a cultura e o contexto histórico, tendo a forma, muitas vezes, um significado particular no tempo e no lugar que foram concebidas. Outra corrente importantíssima é o estruturalismo. O estruturalismo se configura como uma atividade de decomposição e composição do real, para fazer aparecer no decomposto o objeto inteligível. […] Busca ver a arte nela mesma, sem transcendências ou intencionalidades, cuja transgressão é dada pela forma e não pela práxis. A corrente estruturalista apreende a obra como um conjunto formal de relações entre os seus elementos, cada um correspondendo a um signo arbitrário que só assume valor por pertencer a esse sistema que constitui a totalidade da obra. Então vemos que, de certo modo, o estruturalismo se aproxima do formalismo ao rejeitar a continuidade, a causalidade e o finalismo da obra de arte e se diferencia ao considerar que as formas têm um significado específico e arbitrário que só tem valor quando engendrados em um sistema. Por fim, temos também a crítica que segue a linha sociológica, que estuda a relação entre as atividades artísticas e a esfera social, visando explicar as obras de arte como produtos da situação social e cultural. Muitos dos teóricos que assumem essa metodologia fazem suas análises através do materialismo marxista e acreditam que a realidade não é estética e aparente, mas que é dialética e está em transformação constante gerada pelas suas contradições internas. Alguns, como o intelectual grego Nicos Hadjinicolaou, acreditam que toda a obra de arte é carregada de ideologia e que para se fazer a análise de imagens de uma época é requerido o conhecimento de todas as relações entre as classes sociais e as ideologias presentes naquele período histórico dado. Algumas críticas a essa corrente falam da ausência nesta do desejo de mudar os parâmetros de juízo e os critérios de valor e que esta , com poucas exceções […], continuou a partir do princípio de que a tarefa do artista é representar, em vez de intervir e agir no decurso das situações.
Vendo então a pluralidade dos diferentes discursos acerca da arte e como melhor interpretá-la e analisá-la, percebemos que cada um desses métodos tem os seus prós e contras. Não podemos assumir nenhum cegamente e dogmaticamente, pois, feito isso, perdem-se vários elementos interessantes à assimilação da obra e que, no fundo, são o que dão o seu valor e o que faz com que continuemos consumindo e estudando arte. Além disso, não cabe tentar encaixar a arte, principalmente a contemporânea, em regras rígidas de metodologias que muitas vezes se tornam obsoletas. A crítica de arte precisa de rigor e flexibilidade; precisa ouvir a obra e entender que ela tem uma série de interpretações possíveis e, principalmente, indeterminações. A plurivocidade da arte exige abertura na sua compreensão. Portanto, ao se fazer uma crítica, deve-se ser aberto, lembrar que não existe uma leitura absoluta da arte e escolher o caminho da crítica que envolva o perspectivismo na leitura dinâmica da conjugação dos vários métodos de análise existentes, digerindo-os antropofagicamente, ou seja, extraindo o melhor que cada um tem a oferecer para fazer a melhor e mais coerente crítica possível.
Essa necessidade de haver a crítica especializada surge quando se coloca uma impossibilidade de a arte ser expressão de seu fundamento. A crítica nasce da crise da comunicação entre os artistas e o público, ou seja, entre os produtores e os fruidores dos valores artísticos, crise esta que se dá em uma época em que os filósofos, levados pelos seus ideais iluminista e antidogmáticos, estavam gerando revoluções no campo da Filosofia, tais como a descoberta da figura do sujeito, da sua relação com o objeto; se questionava todos os universais, os dogmas e, principalmente, o Absoluto. Essas mudanças ocorridas na Filosofia refletem fortemente na produção artística da época, já que os artistas se apropriam dessas discussões filosóficas e as fazem transparecer na sua produção estética. Isto faz com que a arte tenha um nível de complexidade filosófica tal que as capacidades espontâneas de compreensão existentes normalmente nos públicos não acompanhem esse desenvolvimento, precisando de alguém que intermedeie essa relação problemática público-obra. O crítico surge, então, como o encarregado dessa mediação, que é exercida através da percepção de um ou vários significados que são absorvidos por ele e transcriados para a linguagem verbal. Transcriado, o efeito plástico torna-se perceptível para aquele que não está acostumado com ele e o texto crítico funciona, por sua vez, como uma escola de ver, uma pedagogia da sensibilidade, tendo, então, o crítico o papel de ensinar a 'olhar e ver'. Ele preenche o vazio didático deixado pela escola tradicional, que nos ensina a ler e escrever, mas não a olhar e ver. Tenta tornar o olhar atencioso em algo da experiência cotidiana das pessoas e cidadãos comuns, e não só do de críticos especializados.
Lembra-se que a crítica de arte não existia na Antiguidade e Idade Média, pois nessa linguagem do passado se falava uma linguagem popular, e todos entendiam a mesma mensagem por ela veiculada (informadora, educativa, religiosa). Lá havia unidade e, portanto, não havia crise. Mas agora as novas estéticas que surgem com a exploração do tema da subjetividade, da ideia de indivíduo e de seu posicionamento no mundo, deixando o homem a si mesmo e sem um Deus acolhedor ao qual recorrer, já não se desdobram através do conforto de respostas pré-estabelecidas, não tendo a terra firme de uma resposta unívoca e absoluta. Assiste-se a falência dos universais e a uma crise da representação e de seus paradigmas, que é exacerbada ainda mais pela arte moderna e contemporânea. Com a despedida do absoluto e o advento da subjetividade, a arte mergulha cada vez mais no pensamento e vai se distanciando tanto da natureza quanto da contemplação. Todas essas mudanças criam um distanciamento cada vez maior entre a arte produzida e o seu público receptor. Nas palavras de Tom Wolfe: a arte vai se hermetizando e o público não é convidado.
Feita então esta breve passagem sobre a história da crítica e a compreensão de sua importância nos estudos históricos e teóricos de arte, e entendendo que a crítica tem esse papel duplo e simultâneo de intermediação entre obra e público e também de leitura, interpretação e contextualização das obras de arte, vale a pena relembrar que para tanto várias metodologias foram sendo criadas ao longo de sua história para melhor sistematizar e compreender o valor artístico de uma obra de arte. Cabe aqui destacar algumas correntes críticas e suas principais características, dentre elas o formalismo, o estruturalismo e a corrente socioideológica. O formalismo é aquela corrente que considera que a história da arte não é senão a história das formas, tendo algum de seus integrantes, como o teórico Conrad Friedler, que acreditam que “não existem premissas teóricas, experiências culturais, impulsos fantásticos ou sentimentais, conteúdos religiosos, históricos, morais ou narrativos que condicionem a obra do artista: a forma visual é plenamente reveladora do seu “próprio” conteúdo ou significado, que afinal não é senão a sua própria ordem ou equilíbrio, a sua própria estrutura. Para Hadjinicolaou, a análise formalista é uma negação da História, já que não leva em conta o seu contexto histórico e influências externas à produção da obra. Pesquisadores como Fritz Saxl também nos lembram que a pura análise das formas não leva em conta que existe uma mudança de significado das formas de acordo com a cultura e o contexto histórico, tendo a forma, muitas vezes, um significado particular no tempo e no lugar que foram concebidas. Outra corrente importantíssima é o estruturalismo. O estruturalismo se configura como uma atividade de decomposição e composição do real, para fazer aparecer no decomposto o objeto inteligível. […] Busca ver a arte nela mesma, sem transcendências ou intencionalidades, cuja transgressão é dada pela forma e não pela práxis. A corrente estruturalista apreende a obra como um conjunto formal de relações entre os seus elementos, cada um correspondendo a um signo arbitrário que só assume valor por pertencer a esse sistema que constitui a totalidade da obra. Então vemos que, de certo modo, o estruturalismo se aproxima do formalismo ao rejeitar a continuidade, a causalidade e o finalismo da obra de arte e se diferencia ao considerar que as formas têm um significado específico e arbitrário que só tem valor quando engendrados em um sistema. Por fim, temos também a crítica que segue a linha sociológica, que estuda a relação entre as atividades artísticas e a esfera social, visando explicar as obras de arte como produtos da situação social e cultural. Muitos dos teóricos que assumem essa metodologia fazem suas análises através do materialismo marxista e acreditam que a realidade não é estética e aparente, mas que é dialética e está em transformação constante gerada pelas suas contradições internas. Alguns, como o intelectual grego Nicos Hadjinicolaou, acreditam que toda a obra de arte é carregada de ideologia e que para se fazer a análise de imagens de uma época é requerido o conhecimento de todas as relações entre as classes sociais e as ideologias presentes naquele período histórico dado. Algumas críticas a essa corrente falam da ausência nesta do desejo de mudar os parâmetros de juízo e os critérios de valor e que esta , com poucas exceções […], continuou a partir do princípio de que a tarefa do artista é representar, em vez de intervir e agir no decurso das situações.
Vendo então a pluralidade dos diferentes discursos acerca da arte e como melhor interpretá-la e analisá-la, percebemos que cada um desses métodos tem os seus prós e contras. Não podemos assumir nenhum cegamente e dogmaticamente, pois, feito isso, perdem-se vários elementos interessantes à assimilação da obra e que, no fundo, são o que dão o seu valor e o que faz com que continuemos consumindo e estudando arte. Além disso, não cabe tentar encaixar a arte, principalmente a contemporânea, em regras rígidas de metodologias que muitas vezes se tornam obsoletas. A crítica de arte precisa de rigor e flexibilidade; precisa ouvir a obra e entender que ela tem uma série de interpretações possíveis e, principalmente, indeterminações. A plurivocidade da arte exige abertura na sua compreensão. Portanto, ao se fazer uma crítica, deve-se ser aberto, lembrar que não existe uma leitura absoluta da arte e escolher o caminho da crítica que envolva o perspectivismo na leitura dinâmica da conjugação dos vários métodos de análise existentes, digerindo-os antropofagicamente, ou seja, extraindo o melhor que cada um tem a oferecer para fazer a melhor e mais coerente crítica possível.
Bibliografia
Giulio Carlo Argan, Arte e Crítica de Arte, 2ª edição, São Paulo,Editorial Estampa, 1995
Lisbeth Gonçalves e Annateresa Fabris (orgs.), Os Lugares da Crítica de Arte, São Paulo: Imprensa Oficial; ABCA, 2005
Maria Helena Martins (org.), Rumos da Crítica, 2ª edição, São Paulo, Editora Senac São Paulo; Itaú Cultural, 2007
Nicos Hadjinicolaou, História da Arte e Movimentos Sociais, Edições 70, 1973